quarta-feira, 6 de junho de 2012

CIBERDEMOCRACIA




Finalmente estamos (não todos) adaptados aos dois mundos em que vivemos: o virtual e o não virtual, que já não pode mais ser chamado de “real”, de tão real que o virtual já se tornou; tão real que o mundo real agora é chamado de algo referente ao outro mais recente, ou seja, a virtualidade é tão enredadora, por natureza, que se tornou parte indissociável da nossa realidade. Que contrassenso! rs

A resistência para que a virtualidade tomasse conta de nossas experiências de vida foi muita, mas não havia como evitar uma vez que as “vantagens” são necessárias.

Embora importantes experiências da vida não possam ser realizadas/facilitadas pelo computador (alimentar o corpo, respirar o ar, gerar filhos ou defecar) uma infinidade de outras atividades são extremamente facilitadas pela rede.

As atividades mentais são as que mais se beneficiaram com o advento e é inegável. Para fazer uma pesquisa, por exemplo, tínhamos que ir até uma biblioteca, solicitar a entrada, ir até um ficheiro enorme e dedilhar sequencias de fichas para encontrar um dos livros que necessitamos; repetir o procedimento caso quiséssemos pesquisar em vários livros, digamos uns dez. Andar então buscando letras e números para encontrar as diferentes estantes, e diferentes prateleiras, e diferentes sequencias de livros até localizar cada um pretendido, caso estejam na prateleira e não tenham sido utilizados recentemente. Então carregar uma pilha de livros nos braços, procurar um lugar para se sentar e esparramar nossas coisas numa mesa, abrir vários livros e deixá-los abertos ao mesmo tempo, ou ficar procurando em índices e páginas o que pretendemos. E se, lendo um deles houver uma referência a outro autor que não tenhamos escolhido e que for preciso ler naquele instante, então tudo se repete. O material que for necessário ser recolhido para estudo aprofundado, então deve ser solicitada permissão para cópia, levar, copiar, devolver.... A quantidade de tempo gasta nessa atividade, com alcances limitados, e espaço requerido é enorme. Correndo ainda o risco de naquela biblioteca vc ter apenas alguns dos livros necessários.

A transformação que a internet trouxe, só para um exemplo como esse, é incomparável, nos possibilitando pesquisar, refletir, produzir intelectualmente numa velocidade (e profundidade) muito maior, ou talvez, na velocidade da mente mesmo; o mundo virtual tem o alcance e velocidade da mente humana, ou se aproxima dela. Embora para muitos a criação da internet tenha sido inspirada pelo demônio, é possível perceber que ela foi imaginada pela própria necessidade que a mente tem de corresponder à sua natureza ágil, volátil, e que se vê numa matéria lenta e densa. E assim tudo em que a mente está implicada, quase tudo que fazemos Homo Sapiens que somos, a vida da rede colabora a ponto de não podermos mais viver sem ela. Isto porque ainda nem começamos a imaginar o mundo explorando ao máximo essa invenção, pois o que parecia obra do diabo vai ainda parecer criação divina!

O que não quer dizer que nossa vida tridimensional vai desaparecer e todos viveremos colados a computadores indefinidamente: isto é filme de ficção cientifica fundamentalista. Embora realmente passemos muito mais tempo ligados às maquinas, num futuro próximo teremos a possibilidade de realizar tanta coisa pela net que sobrarão para nossa vida material apenas prazeres insubstituíveis como tocar uma flor, molhar os pés num riacho, sentir o vento nos cabelos....

Atualmente nossa vida física, que pareceria mais virtuosa pelo contato real com as coisas, está na verdade nos escravizando. Quem tem tempo de tocar uma flor ou molhar os pés no riacho? A esmagadora maioria de nós vive pressionada pela luta para sobreviver, tendo que cumprir variadas funções totalmente substituíveis. E como vivemos subordinados a essa estrutura consumista, imaginar substituir homens por máquinas é desesperador, pois deve gerar fome e desemprego. Mas ao invés de colocar pessoas em atividades completamente substituíveis por máquinas (que serão sempre ativadas por pessoas em algum ponto, e se não forem melhor ainda) não seria melhor modificar a distribuição material para que todos usufruíssem igualmente das vantagens dessa substituição?

Teremos cada vez mais que nos adaptar à vida nesses dois mundos não como dissociados, mas como complementares porque esta adaptação é a que temos que fazer a respeito de nós mesmos. Somos seres que para tomar um copo de água precisamos nos mover no tempo e no espaço e empreender várias ações despendendo energia interna e externa. Mas para imaginar esse mesmo copo não precisamos nem de tempo nem de espaço nem de recursos externos, gastando uma energia que não se consome.

Embora o humano tenha reduzido ao máximo suas capacidades não físicas (também) pela dificuldade de coordenar experiências tão distintas como entre matéria e não matéria, não há como escapar dessa realidade: somos os extremos simultaneamente, nossos corpos tem velocidade e alcances distintos da nossa mente. Daí, inclusive, deriva a impressão de que nossos corpos aprisionam uma experiência interna mais volátil. E desse sentimento de aprisionamento, do julgamento dele, derivam muitos sofrimentos.

Os opostos (corpo e mente) eram considerados discordantes em outros tempos, agora são entendidos como complementares. E para ser complementar não pode haver nenhum tipo de hierarquia. Podemos enxergar essas diferenças com a complementariedade que percebemos entre os mundos virtuais e não virtuais. Podemos notar que a vida não virtual, apesar de menos apropriada para algumas atividades, é mais apropriada para outras, e para cada coisa a sua qualidade, sem o julgamento de ser bom ou ruim, certo ou errado, penoso ou não.

O que está acontecendo à humanidade é apenas e sempre reflexo de si mesma, sem demandas externas às suas possibilidades.

E não bastasse toda mudança na experiência individual, ainda existe todo reflexo na vida coletiva: nossa organização social vai se modificar total e substancialmente. Problemas que não encontramos soluções até o momento vão se dissolver com o advento e desenvolvimento da rede.

A base da nossa organização social hoje é o trabalho, regido por uma economia de consumo; e quando dizemos trabalho e economia de consumo não estamos nos referido apenas às leis da organização social, mas às leis que regem até nossa estrutura de pensamento e afetividade: trabalho e consumo!

A ideia de trabalho será completamente transformada, no sentido de despender energia para realizar uma ação. Ou, o trabalho é uma relação entre força e deslocamento. A capacidade do humano de modificar a realidade/natureza impondo sua vontade (força) gerando um resultado (deslocamento da condição anterior). O resultado desse deslocamento se tornou bem de consumo. E assim caminhou a humanidade por diversos atalhos.

No mundo virtual a noção de força é totalmente diferente: não servem os músculos, não serve a quantidade de propriedades, os papéis assinados, nem o acúmulo de moedas. Se no mundo real um único homem lidera um exército, esse mesmo homem poderoso, na internet, fica fragilizado em seu poder por um hacker de 15 anos de idade. O medo que o mundo viveu de sucumbir à guerra fria das bombas atômicas, que modificaria fisicamente nossas vidas, hoje ficou irrisório perto da destruição que esse mesmo suposto menino de 15 anos seria capaz de provocar. O poder/força está sendo totalmente deslocado (dando o maior trabalho!).

Portanto o que sustentou todas as teses sócio-políticas das relações entre recursos naturais (pré-deslocamento), trabalho e poder terão que ser revistas completamente, ou já estão sendo, pois o sonho de descentralização virou realidade por causa da rede virtual!

Estamos adentrando num mundo sem territórios delimitados, sem governos isolados, gerado por todos ao mesmo tempo, sem hierarquias, nem bons nem maus, sem raças, línguas, culturas e nosso deus agora (depois de deposto o petróleo) é a ELETRICIDADE!!! (será uma consciência de que nosso sistema é solar?)

Nesse momento nosso território é o planeta todo (já andamos um pouquinho hein!) e passamos a necessitar de uma organização unida das nações que nos impele a eliminar hierarquias e aceitar diferenças.

Com advento da internet está acelerando o processo de surgimento de uma sociedade civil planetária, não mais limitada por territórios. Uma consciência integrada de todo grupo humano está se fazendo presente. Os limites territoriais estão perdendo a importância em muitas instâncias de nossas vidas, afetando inclusive a governabilidade do mundo. A economia, a ciência, a técnica já são áreas vistas como uma unidade mundial. No meio ambiente, por exemplo, percebemos que é necessário um esforço integrado de todos os povos para que nosso planeta sobreviva em condições razoáveis para todos. O que está fazendo o mundo olhar para o Brasil, que há algumas décadas não passava de um país subdesenvolvido, é que o pulmão da terra está situado dentro do nosso território e, portanto, todos os seres humanos sentem-se no direito de opinar pela sua preservação. Isto é apenas um exemplo de como hoje não só percebemos que nossas ações do presente tem importantes consequências para nosso futuro, mas também que nossas ações num espaço tem consequências importantes para o espaço global. Cada parte diz respeito ao todo. Uma bituca de cigarro que jogo na “minha” privada, interfere na vida de dezenas de pessoas que nem conheço. A ideia de rede que foi materializada pela internet (rede de informações) na verdade apenas realizou uma experiência muito mais ampla da existência humana e não humana, que a física quântica já revelou. Vivemos todos numa teia de espaço-tempo nesse Universo e a ação/pensamento de um indivíduo causa uma repercussão em toda a teia que nos une (é nesse sentido que somos todos UM).

O conceito de propriedade que nos afirmou como indivíduo, e ainda afirma, está sendo desmantelado. O humano imaginou a democracia, mas para poder realizá-la precisa poder imaginar-se desapropriado. E a desterritorialização da rede, também provoca essa desapropriação: não somos mais perfis definidos, estabelecidos, nossos perfis são flexíveis.

Embora muitos temam que a criação da internet vá nos jogar num mar infinito de possibilidades, e essas possibilidades “criadas” interfiram negativamente em nosso comportamento nos tornando esquizofrênicos, a verdade é que essas criações só foram possíveis porque de alguma forma já somos assim. Se antes nos pensávamos uma unidade, se nos percebíamos num único EU, não nos sentimos mais assim. O que há um século a psicologia rotulava com esquizofrenia, hoje está diagnosticada de forma diferente porque talvez tenhamos mais Eus do que podíamos supor.... É em verdade um problema teológico em certa instância. Metafísico mais propriamente.

Para nossa estrutura mental atual, tudo isso (que sempre foi deflagrado por filosofias antigas) é ainda uma nova experiência da realidade o que leva muitas pessoas a gerarem muita resistência ao novo entendimento. Mas entendimento esse que de novidade não tem nada, pois o Universo sempre foi assim. Com a realização da internet o que antes era uma bela filosofia, tornou-se fato diário e corriqueiro modificando efetivamente nossas relações em várias instâncias. Os aspectos das relações humanas e organizações humanas que já pertencem a uma categoria mais dinâmica e fluente, como o dinheiro e a informação, foram os primeiros a se adequarem a essa nova estrutura. A economia quebrou significativamente os limites territoriais e o mercado financeiro é um exemplo da fácil adaptação da riqueza material (ouro) em riqueza virtual (já aquém dos papéis). Com a fluência ultra veloz e multidirecional da informação, todas as áreas do conhecimento foram dinamizadas, incrementadas e ampliadas de tal forma que a velocidade da luz não é mais, para nós, inimaginável. Falamos qualquer língua, vemos qualquer região do globo, conhecemos todos os seres humanos!!
Mas outras áreas da vida humana, justamente aquelas que se modificam posteriormente às mudanças de consciência coletiva, a saber, a justiça e a lei, estão em fase primária de adaptação a essa realidade. As leis só são consolidadas depois de muitas vezes a sociedade demonstrar uma conduta, o que demanda tempo; o que significa que as condutas se manifestam primeiro em quantidade significativa para se tornarem padrões e só então exigirem normatizações.

Por exemplo, o ambiente novo da internet vem gerando condutas que não existem na vida não virtual e, portanto não foram normatizadas, trazendo a necessidade de leis específicas para esse ambiente. Esse é um exemplo apenas no que diz respeito direto ao novo ambiente, mas existem outras tantas situações que são consequência do ambiente virtual sobre o ambiente não virtual que também vem solicitando novas regras.

Com a desterritorialização das relações, uma sociedade planetária (termo de Pierre Levy) está se explicitando e gerando necessidades específicas para sua organização. As leis de meio ambiente que servem para um país, as leis de governança que servem para determinado povo, as leis de criminalização ou militarização que servem a determinado país, hoje são questionáveis do ponto de vista global. Já há décadas, talvez desde o fim da guerra fria, ficou muito claro que o planeta, apesar das divisões territoriais, precisava de um “conselho” geral, uma organização das nações unidas, para administrar temas globais. No entanto a cada dia cresce rapidamente a quantidade de “temas globais” e cada vez mais tem sido necessária a criação de leis e uma justiça comum ao planeta.

(texto inspirado em CIBERDEMOCRACIA, livro de Pierre Levy)


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